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Imagine um Tribunal de Justiça em que 9 dos 12 desembargadores são suspeitos de envolvimento em crimes, dentre eles, relações com grupos de extermínio.

 

O inimaginável fim do CNJ


Imagine um Tribunal de Justiça em que 9 dos 12 desembargadores são suspeitos de envolvimento em crimes, dentre eles, relações com grupos de extermínio.

Imagine um pistoleiro que, acuado pela lei, resolveu dar um nó no sistema e conseguiu ingressar na magistratura.


Imagine outros juízes que usam o poder do cargo para grilar terras e ganhar milhões revertendo decisões sobre pagamentos de precatórios.

Parece roteiro de filme B norte-americano sobre uma republiqueta de bananas perdida no fim do mundo. Não é. Bem-vindo à realidade judiciária do Brasil.

O retrato é terrível, mas pode ficar pior. Todos esses casos (na maioria, sigilosos) estão sendo investigados neste momento pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Se serve de consolo, há um corpo externo que recebeu as informações e tem instrumentos para punir os envolvidos.

O problema é que, nos próximos dias, o CNJ pode perder grande parte de suas atribuições fiscalizadoras, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida que as investigações devem ser conduzidas pelas corregedorias locais. O julgamento da ação, curiosamente movida pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), está sendo protelado desde o mês passado. Cada dia de espera aumenta a fissura nas cortes pelo país afora.

Para a sociedade em geral que não é fluente em juridiquês, a divisão é estranha. De um lado, estão os juízes que entendem que só um organismo independente tem capacidade efetiva de fiscalização. Do outro, os que defendem que a independência das decisões só existe sem interferência externa.

Claro que a bandeira defendida por essa segunda corrente pode ser facilmente traduzida para corporativismo. Refletindo bem, não é uma aberração que eles pensem assim. Afinal de contas, qual categoria não pensa?

O problema é que nenhum outro agrupamento social tem tanto poder quanto esse. O Judiciário é o pilar da civilidade e da democracia. O que não quer dizer que os juízes devem permanecer no Olimpo da inimputabilidade – eles precisam ficar justamente no lado contrário, na base.

Na última segunda-feira, durante debate em São Paulo, a corregedora do CNJ, Eliana Calmon, reiterou a declaração de que há “bandidos de toga”. Admitiu que carregou nas tintas, mas não voltou atrás. Ainda bem.

Graças à dureza das palavras da ministra, o Brasil do mundo real (aquele que fala português) parece enfim ter entendido a importância de debater o papel da Justiça. Criticar o Legislativo e o Executivo já era esporte nacional há décadas, agora a novidade é entender o que acontece nos tribunais.

Por trás da ideia de que é importante apenas a simbologia de que todos podem ir para a cadeia, a discussão sobre os poderes do CNJ é a chance de descortinar algo ainda mais profundo. Exemplo: ao longo dos mutirões carcerários promovidos pelo conselho nos últimos anos descobriu-se que 30 mil presos brasileiros deveriam estar soltos. Uma falha imperdoável.

O que está para valer na agenda são a qualidade do Judiciário e o seu papel em uma sociedade democrática em amadurecimento. Não apenas quem tem o direito de fiscalizar quem.

Assim fica mais fácil de explicar: imagine o nível de confiança das sentenças proferidas por um tribunal com três quartos dos desembargadores sob suspeita. Agora imagine essa mesma corte julgando seus membros. Sim, é inimaginável.

Publicado em 21/10/2011 | ANDRÉ GONÇALVES • AGONCALVES@GAZETADOPOVO.COM.BR

Bandidos de toga? Eu já sabia! Aliás, quem é que não sabia?

Sir Richard Steele e Washington Irving / Wikimedia Commons / De toga, sem toga: há bandidos vestindo todos os modelos de roupa e atuando em todas as áreas

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