Voto vencido no caso do 1º Tabelionato de Protesto de Curitiba - Titular: Sidnéia Name
Declaração de Voto - Antonio Lopes de Noronha
MANDADOS DE SEGURANÇA N° 141.768-5, DE CURITIBA E Nº 145.959-2, DE MARINGÁ.
IMPETRANTES : ENIETE ELIANA SCHEFFER NICZ E JORGE GONGORA VILLELA.
IMPETRADO : PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.
LITISCONSORTE
PASSIVO : SIDNEA MARIA PORTES NAME.
RELATOR : DES. BONEJOS DEMCHUK.
V O T O V E N C I D O
Divergi da douta maioria por entender que o mandado de segurança é o meio processual adequado para a tutela dos interesses dos impetrantes.
Trata-se de mandados de segurança impetrados, respectivamente, por Eniete Eliana Scheffer Nicz (Titular do Cartório do 3º Ofício de Registros de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas desta Capital) e por Jorge Gongora Villela (Titular do Cartório do Ofício de Registro Civil de Nascimento, Casamento e Óbito, acumulando as suas funções com o Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de Paraíso do Norte), ambos em face do Decreto Judiciário Nº 272/2003, pelo qual foi delegado à Sidnea Maria Portes Name o exercício do cargo de Oficial do 1º Tabelionato de Protestos de Títulos da Comarca de Curitiba.
Sustentou a douta maioria que os impetrantes não têm direito líquido e certo de ocupar o cargo objeto da delegação, não podendo requerer, via mandamental, a proteção de direitos difusos.
Todavia, o que os impetrantes pretendem não é a sua efetivação no lugar da atual ocupante do cargo, mas, sim, o reconhecimento do direito de concorrer à vaga, mediante concurso público, nos termos do artigo 236, § 3º, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
(...)
§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses" (Os destaques não constam do original).
O texto constitucional dispõe expressamente que o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga sem a abertura de certame (de provimento ou de remoção) por mais de seis meses.
Assim, é evidente que os impetrantes possuem direito líquido e certo de concorrer, por meio de concurso público, à vaga que foi indevidamente preenchida pela litisconsorte passiva.
O fato de estarem pretendendo resguardar, via mandamus, direitos difusos, não significa que não estejam defendendo, também, o seu próprio direito.
Assim, consoante o disposto no artigo 1º, § 2º, da Lei Nº 1.533/51, "quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança" (Os destaques não constam do original).
O Supremo Tribunal Federal já decidiu a respeito do tema:
"Mandado de segurança: legitimação ativa: composição de lista para a promoção por merecimento de juízes aos tribunais.
No procedimento de promoção de magistrados, todos os concorrentes à lista e nela não incluídos estão legitimados, em princípio, para questionar em juízo a validade da sua composição, se, do reconhecimento da nulidade argüida, possa decorrer a renovação do ato de escolha, que estariam qualificados para disputar" (Mandado de Segurança Nº 24.509, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, publicado em 26/3/2004. Os destaques não constam do original).
O Superior Tribunal de Justiça não discrepa deste entendimento:
"PROCESSO CIVIL - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - CARGO DE DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - VAGA DO QUINTO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ELABORAÇÃO DE LISTA SÊXTUPLA - INCLUSÃO DE DEPUTADO ESTADUAL - PERDA DE OBJETO INEXISTENTE - LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA 'AD CAUSAM' RECONHECIDA - PRELIMINARES ACOLHIDAS - EXAME DO MÉRITO PREJUDICADO.
(...)
2 - Os impetrantes, membros do Ministério Público do Estado de Alagoas, com mais de 10 (dez) anos de exercício e inscritos como candidatos ao certame da lista sêxtupla, com a finalidade do preenchimento do Cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça daquele Estado, possuem legitimidade ativa ad causam, pois são titulares do suposto direito líquido e certo afrontado, integrando, assim, a relação processual mandamental, porquanto o texto constitucional garante que, uma vez preenchidos os requisitos contidos em seu art. 94, parág. único, qualquer agente ministerial pode concorrer a tal nomeação, acarretando igualdade de oportunidades entre iguais. Logo, não há que se falar em mera expectativa de direito, posto que este lhes assistia em razão de norma constitucional expressa (cf. STF, MS Nº 21.814/RJ). Preliminar acolhida" (STJ, RMS 9881. Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJU 22/5/2000. Os destaques não constam do original).
Hely Lopes Meirelles pondera:
"O impetrante, para ter legitimidade ativa, há de ser o titular do direito individual ou coletivo líquido e certo para o qual pede proteção pelo mandado de segurança. (...) O direito subjetivo do impetrante pode ser privado ou público, exclusivo ou pertencente a vários titulares ou, mesmo, a toda uma categoria de pessoas. O que se exige é que o impetrante possa exercê-lo individualmente ou coletivamente" (Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de inconstitucionalidade. SP: Malheiros Editores, 22ª edição, págs. 53/54. Os destaques não constam do original).
José Cretella Júnior conclui:
"O mandado de segurança protege direitos subjetivos públicos e direitos subjetivos privados, ameaçados ou violados por atos públicos de autoridade. O ato de autoridade tem de ser público. O direito subjetivo atingido pode ser público ou privado. Os direitos suscetíveis de proteção deverão ser, portanto, sempre 'líquidos e certos', de qualquer natureza, públicos (direito à nacionalidade, direito ao acesso a cargos públicos, direito à proteção no exercício do cargo,...), ou privados (direito de propriedade...)" (Do Mandado de Segurança, SP: Bushatsky, 1974, págs. 130/138. Os destaques não constam do original).
Nota-se que o pedido dos impetrantes é claro: a declaração de nulidade da delegação da litisconsorte passiva Sidnea Maria Portes Name para que possam se inscrever e participar de concurso público para o preenchimento do cargo vago. Se há, ou não, o direito dos mesmos em serem providos no cargo, não é questão a ser debatida nestes autos, mas por ocasião da análise dos critérios legalmente estabelecidos para o referido provimento.
Além do mais, somente a título de esclarecimento, deve ser ressaltado que a própria Constituição Federal elencou o mandado de segurança entre os direitos e garantias fundamentais (artigo 5º, inciso LXIX), sendo esta mais uma razão pela qual entendo que não pode ser acolhida a preliminar de inadequação da via eleita.
É certo que o mandado de segurança não pode ser admitido como sucedâneo de ação declaratória, entretanto, não se pode confundir "pedido meramente declaratório" com "declaração de pedido mandamental".
O pedido meramente declaratório é aquele previsto no artigo 4º do Código de Processo Civil, em que o autor pede que seja declarada a existência ou inexistência de relação jurídica ou a autenticidade ou falsidade de um documento.
Outrossim, deve ser dito que toda sentença proferida em mandado de segurança tem, por menor que seja, um conteúdo declaratório, o que não quer dizer que ela seja unicamente declaratória. Portanto, se os impetrantes pedem a declaração de seu direito líquido e certo supostamente violado, isso não significa a ausência de pedido mandamental, de modo a impossibilitar a análise do mérito do mandamus.
A propósito:
"A sentença proferida no mandado de segurança pode ser constitutiva, condenatória e, até mesmo, declaratória, em casos especialíssimos" (Lúcia Valle Figueiredo, in Mandado de Segurança, 2ª edição, editora Malheiros, p. 182).
"A sentença no mandado de segurança tanto pode ser declaratória, como constitutiva, ou condenatória, dependendo do pedido do impetrante" (Carlos Alberto Menezes Direito, in Manual do Mandado de Segurança, 2ª edição, editora Renovar, p. 123).
"Controverte-se intensamente, em sede doutrinária, quanto à natureza da sentença em mandado de segurança. Não nos parece, entretanto, o tema inçado de dificuldades insuperáveis. Tão pouco divisamos a utilidade prática da própria controvérsia. Em rigor, cabem todas as naturezas que a teoria agasalha, tudo na dependência do próprio conteúdo do pedido. O equívoco está em destacar, isoladamente, o problema da sentença, eis que esta não poderá apartar-se do próprio objeto da ação" (Sérgio Ferraz, in Mandado de Segurança [individual e coletivo] Aspectos polêmicos, 3ª edição, Malheiros, p. 175).
E não é de outra forma o entendimento da jurisprudência:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - SUBTABELIÃO - PROMOÇÃO AO CARGO DE TABELIÃO - LISTA TRÍPLICE - AUSÊNCIA DE DIPLOMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO - IMPOSSIBILIDADE - REQUISITO BÁSICO - DISPENSABILIDADE - DIREITO ADQUIRIDO - INEXISTÊNCIA - DESIGNAÇÃO PRECÁRIA - ART. 19 DO ADCT - SERVENTUÁRIOS DE CARTÓRIO - INAPLICABILIDADE - NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO.
1 - (...)
5 - Recurso conhecido e provido para, reformando 'in totum' o v. acórdão de origem, conceder a ordem, declarando nula a lista tríplice e os atos dela decorrentes (STJ, ROMS 13921/BA, Rel. Min. Jorge Scartezzinni, publicado em 13/10/2003. Os destaques não constam do original).
MANDADO DE SEGURANÇA - DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS - VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA NO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO - NULIDADE DA PORTARIA - SEGURANÇA CONCEDIDA.
I - (...)
III - Segurança concedida para declarar nula a Portaria 1.192/01 e determinar que o procedimento administrativo retorne à fase das publicações (STJ, MS 8241/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, publicado em 14/10/2002. Os destaques não constam do original).
PROCESSUAL CIVIL - TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - IRPJ - BASE DE CÁLCULO - LEI Nº 8.200/91 - PEDIDO DECLARATÓRIO - POSSIBILIDADE.
- Cabível, em sede de mandado de segurança, declaração de suspensão dos efeitos de dispositivos de Lei tributário manifestamente inconstitucionais, desde que apresentados o resumo do balanço patrimonial e demais demonstrações financeiras pertinentes ao exercício em questão. Impossibilidade de o tribunal se pronunciar sobre o mérito, vez que a sentença de primeiro grau ainda não o enfrentou (TRF 2ª R, AMS 95.02.01148-1/RJ, Relª Juíza Virginia Procópio De Oliveira Silva, publicada em 28/6/2001. Os destaques não constam do original).
MANDADO DE SEGURANÇA - PEDIDO DE ALVARÁ JUDICIAL PARA LEVANTAMENTO DE NUMERÁRIO DEPOSITADO EM CONTA VINCULADA DO FGTS - AUTORIZAÇÃO PELA JUSTIÇA COMUM - EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ - ATO ILEGAL - INTERESSE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 109, INCISO I DA CF E DA SÚMULA 82 DO STJ - CONCESSÃO DA SEGURANÇA PARA DECLARAR A INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL COM REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL.
- Compete à Justiça Federal, excluídas as reclamações trabalhistas, processar e julgar os feitos relativos à movimentação do FGTS (Súmula 82 do Superior Tribunal de Justiça) (TJPR, MS 136.092-3, Rel. Des. Milani de Moura, publicado em 29/9/2003. Os destaques não constam do original).
Como se não bastasse, devem ser destacados os termos da Súmula 213 do Superior Tribunal de Justiça que, apesar da ênfase ao direito tributário, pode ser aplicada por analogia ao presente caso:
"O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária" (Os destaques não constam do original).
Destarte, não é caso de extinção dos processos sem julgamento do mérito, devendo, por isso, ser rejeitada a referida preliminar, de modo a possibilitar a análise do mérito dos mandados de segurança.
Ainda, é de ser destacado que a administração pública pode, a qualquer tempo, rever seus atos quando eivados de nulidade, consoante o disposto na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
Como bem sustentou o saudoso jurista Hely Lopes Meirelles:
"A anulação dos atos administrativos pela própria Administração constitui a forma normal de invalidação de atividade ilegítima do Poder Público. Essa faculdade assenta no poder de autotutela do Estado. É uma justiça interna, exercida pelas autoridades administrativas em defesa da instituição e da legalidade de seus atos.
Pacífica é, hoje, a tese de que, se a Administração praticou ato ilegal, pode anulá-lo por seus próprios meios (STF, Súmula 473). Para a anulação do ato ilegal (não confundir com ato inconveniente ou inoportuno, que rende ensejo à revogação, e não à anulação) não se exigem formalidades especiais, nem há prazo determinado para a invalidação, salvo quando a norma legal o fixar expressamente" (Direito Administrativo Brasileiro, RT: SP, 23ª ed., p. 185).
Mais que um poder, é um dever da Administração Pública rever seus atos e declará-los nulos quando não estiverem em consonância com o ordenamento jurídico. Tal medida é necessária para resguardar, sobretudo, o atendimento ao princípio da moralidade administrativa, verdadeiro cânone constitucional e que visa legitimar o próprio Estado Democrático de Direito.
Por estes motivos, divergi da douta maioria, para o fim de afastar a preliminar de inadequação da via eleita e ser julgado o mérito dos mandados de segurança impetrados por Eniete Eliana Scheffer Nicz e Jorge Gongora Villela.
Curitiba, 3 de setembro de 2004.
ANTONIO LOPES DE NORONHA
V E N C I D O
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