| APELAÇÃO CRIME Nº 611618-1, DE FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 8ª VARA CRIMINAL APELANTE 01 : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ APELADOS 01 : JOÃO MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO, SONIE MARIA BUSCARONS E PAULO HENRIQUE TOSCANI APELANTE 02 : JOÃO MANOEL DE OLVIEIRA FRANCO APELANTE 03 : SONIE MARIA BUSCARONS APELADO 02 E 03 : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR : JUIZ CONV. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO APELAÇÃO CRIMINAL 01 - CRIMES DE PECULATO, FALSIDADE IDEOLÓGICA - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - INCONFORMISMO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PLEITO DE RECONHECIMENTO DA MATERIALIDADE E AUTORIA ACOLHIMENTO MATÉRIA DE PROVA CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE - RECURSO PROVIDO RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA ABSORÇÃO DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA E FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO CRIME DE PECULATO EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DE SONIE MARIA E PAULO HENRIQUE. APELAÇÃO 02 PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA NÃO ACOLHIMENTO PROVAS SUFICIENTES PARA EMBASSAR O DECRETO CONDENATÓRIO - RECURSO DESPROVIDO, APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO DE OFÍCIO. APELAÇÃO 03 CORRUPÇÃO PASSIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL INOCORRÊNCIA INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N° 523 DO STF PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA REJEIÇÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISTOS DO ART. 41 DO CPP ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS NÃO ACOLHIMENTO CONFISSÃO CORROBORADA PELAS PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS RECURSO DESPROVIDO, APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO DE OFÍCIO. 1. "O apelado burlou o sistema de distribuição de notificações, fato este reconhecido na sentença, pois tinha a intenção de desviar as notificações para que pudesse receber ilicitamente pelo serviço, causando efetivo prejuízo aos demais cartórios, além da inerente violação ao dever de fidelidade para com a Administração Pública". 2. "Resta demonstrado que João Manoel juntamente com Paulo Henrique praticou a conduta tipificada no artigo 299, caput do Código Penal, visto que fez conter declarações falsas ou diversas da que deveria constar, a fim de elidir suas responsabilidades pelos desvios das notificações apreendidas no local onde funcionava uma extensão do 4º Ofício de Registro de Títulos e Documentos de Curitiba". 3. "Nota-se que os delitos corrupção e falsidade ideológica não se justificam como crimes autônomos, vez que somente foram praticados como crimes meio, para o fim pretendido, o desvio das notificações". 4. "Evidente que a probidade administrativa foi abalada pela conduta do apelado, porque além de esquivar-se do indispensável ato de distribuição dos serviços de notificação, gerando dano patrimonial aos demais cartórios que deveriam legalmente receber as notificações, praticou a conduta contra a moral administrativa". 5. "Em relação ao reconhecimento da nulidade processual, em decorrência de sua não intimação para o interrogatório do corréu Paulo Henrique Toscani, não restou comprovado prejuízo, mormente pelo fato de que no referido interrogatório não foram produzidas quaisquer provas contra a referida ré. Desta forma inviável o reconhecimento da nulidade pleiteada". 6. "No que concerne à materialidade delitiva, fica evidenciado que a apelada concorreu ativamente para a consumação do delito de peculato ao trabalhar na extensão informal do 4º Ofício subscrevendo tais atos a mando do réu João Manoel de Oliveira Franco". 7. "No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu" (Súmula nº 523 do STF). VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 611618-1, de Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - 8ª Vara Criminal, em que são apelantes o Ministério Público do Estado do Paraná, João Manoel de Oliveira Franco e Sonie Maria Buscarons e apelados João Manoel de Oliveira Franco, Sonie Maria Buscarons Paulo Henrique Toscani e o Ministério Público do Estado do Paraná. 1. Inconformados com a sentença que condenou João Manoel de Oliveira Franco e Sonie Maria Boscarons respectivamente pela prática do crime de corrupção ativa (03 anos de reclusão em regime aberto), e crime de corrupção passiva (02 anos e seis 06 meses de reclusão), ambas substituídas por restritivas de direitos e os absolveu da imputação dos crimes de peculato e falsidade ideológica com fundamento no artigo 386, III e VII do CPP, recorreram o Ministério Público, João Manoel de Oliveira Franco e Sonie Maria Boscarons. O Ministério Público insurgiu-se contra parte da decisão que absolveu os réus alegando que: Em relação ao réu João Manoel de Oliveira Franco, afirmou que a materialidade do crime de peculato está consubstanciada no auto de apreensão de documentos de fls. 149, no qual constam as notificações, envelopes e vários recibos de pagamentos do 4° Ofício de Títulos e Documentos da Comarca de Curitiba encontrados no endereço da Rua Desembargador Westphalen, 45, 10° andar, local em que funcionava uma extensão ilegal do Ofício acima referido. Asseverou ainda, que a materialidade do crime de falsidade ideológica está comprovada pelo Laudo de Exame Documentoscópico de fls. 346/370, no qual se confirmou que duas assinaturas não eram autênticas. No que concerne à autoria delitiva alegou que esta recai, na pessoa de João Manoel. Quanto a ré Sonie Maria Buscarons aduziu que a apelada confessou que trabalhava em uma extensão informal do 4° Oficio subscrevendo atos, concorrendo assim ativamente para consumação do crime. Por fim, em relação ao réu Paulo Henrique Toscani asseverou que do Laudo documentoscópico extrai-se que o apelado forjou juntamente com João Manoel o contrato social da empresa IP Cobrança S/A para encobrir a existência da extensão irregular do 4° Oficio. Em contrarrazões João Manoel de Oliveira Franco, às fls. 1151/1168, Sonie Maria Buscarons às fls. 1171/1182 e Paulo Henrique Toscani às fls. 1184/1196 manifestaram-se pelo desprovimento do recurso interposto. Por sua vez João Manoel de Oliveira Franco pugnou às fls. 1216/1247, pela improcedência da acusação por falta de tipicidade na conduta narrada na denúncia; inexistência do fato e carência de comprovação das imputações e alternativamente, requereu a diminuição da pena para a mínima legal com a conseqüente prescrição da pretensão punitiva. Sonie Maria Buscarons, às fls. 1249/1268 requereu, em sede preliminar, o reconhecimento da nulidade absoluta do processo posto que não fora intimada da realização da audiência de interrogatório de Paulo Henrique Toscani e, ainda, a inépcia da inicial por não descrever os elementos subjetivos dos tipos. No mérito pleiteou a absolvição em razão de insuficiência de provas. O Representante do Ministério Público nas contrarrazões às fls. 1271/1281, opinou pelo desprovimento dos recursos interpostos. A d. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso interposto pelo Ministério Público e desprovimento dos recursos interpostos pelos demais apelantes. É o relatório. 2. Os recursos preenchem os pressupostos intrínsecos de admissibilidade (cabimento, legitimação e interesse para recorrer e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer), bem como os extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), e, portanto, devem ser conhecidos. Os apelantes João Manoel de Oliveira Franco, Sonie Maria Buscarons e Paulo Henrique Toscani foram denunciados pela prática dos seguintes fatos, assim descritos na peça inaugural: "1. Em 01.04.2003 instaurou-se o Inquérito Criminal n° 2002.9262-6 na Central de Inquéritos desta Capital, com o objetivo de apurar diversas irregularidades perpetradas pelos funcionários dos Cartórios de Registro de Títulos e documentos de Rio Branco do Sul e do Ofício de Curitiba. O referido procedimento investigatório teve como ponto de partida a documentação encaminhada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Paraná, contendo peças dos autos de sindicância e do processo administrativo disciplinar instaurado no âmbito daquele órgão. Os referidos autos oferecem elementos aptos a subsidiar a tese de que o Titular do 4º Registro de Títulos e Documentos desta Capital, JOÃO MANOEL DE OLIVEIAR FRANCO, no período do início do mês de julho do ano de 2001 a 08 de agosto de 2001, por meio de subterfúgio Ilícito, esquivava-se do indispensável ato de distribuição dos serviços de notificação, cumprindo as ordens de notificação entregue pelos notificantes diretamente em seu Ofício, sem remetê-los anteriormente para o Ofício-Distribuidor. Presumindo que neste período realizou aproximadamente cinco mil notificações consoante os documentos juntados nos 38 (trinta e oito) volumes anexos ao inquérito em epígrafe. Para imprimir aparência de legalidade a esta rotina, no inicio do mês de julho de 2001, firmou acordo com a Titular do Ofício de Títulos e Documentos da Comarca de Rio Branco do Sul/PR, SONIE MARIA BUSCARONS para que ela, após devidamente cumpridas as notificações pelo 4º Oficio, registrasse as diligencias como tendo sido realizadas pelo Oficio de Rio Branco do Sul/PR, onde não há distribuição prévia, já que se trata de Comarca de Ofício único. Pela sua participação, o primeiro denunciado ofereceu a Titular do Ofício de Rio Branco do Sul a vantagem indevida mensal no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com cuja promessa aquiesceu a segunda denunciada. 2. A prática ilícita foi descoberta a partir da instauração de Sindicância pela Corregedoria-Geral de Justiça/PR, que visava apurar a noticia de que o Ofício de Rio Branco do Sul mantinha sucursal em Curitiba, em um escritório localizado na Rua Westphalen, n° 1 5, conjunto 1003, Edifício Dante Alighieri, na Capital do Estado do Paraná. Em 01.08.2001 foi procedida a busca de documentos e livros no referido endereço, resultando na apreensão de diversos materiais, oportunidade quem também foram inquiridas as pessoas que lá trabalhavam, inclusive a denunciada SONIE MARIA BUSCARONS, ocasião em que esta afirmou categoricamente que: "(...) todos os documentos encontrados hoje e relacionados no auto de apreensão foram entregues no Cartório do 4º Ofício e, posteriormente, cumpridos pelos funcionários daquele oficio, sendo que a declarante apenas subscreve os atos; que todos os documentos são notificações, não havendo, entre eles, nenhum contrato ou declaração; que recebe, por mês, R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pela prestação do serviço, muito embora recolha corretamente as taxas devidas ao Funrejus e ao distribuidor" Após analise de todos os documentos e declarações, restou demonstrado que na verdade o local não servia de sucursal do Oficio de Rio Branco do Sul, mas, em verdade, tratava-se de uma extensão informal do 4º Oficio de Títulos e Documentos de Curitiba, justamente no que concerne às notificações processadas sem a anterior e devida distribuição, em detrimento do direito dos demais titulares de oficio sediados nesta Capital lesados com tal prática. 3. Passados dez dias da operação, foi impetrado Mandado de Segurança por uma empresa denominada IP COBRANÇAS S/C LTDA. Contra (sic) ato do Corregedor-Geral da Justiça, alegando que todos os bens apreendidos durante a sindicância era de sua propriedade e que na sala comercial palco da apreensão funcionaria sua filial. O Mandado de Segurança foi autuado sob n° 112.275-0-TJPR e, posteriormente extinto sem julgamento de mérito, diante do pedido de desistência da autoria impetrante; já que os bens foram entregues à Titular do Ofício de Registros de Títulos e documentos de Rio Branco do Sul, SONIE MARIA BUSCARONS. Verificou-se a partir de então, que a empresa IP COBRANÇAS S/C LTDA. fora (sic) constituída para finalidade incerta, já que de fato nunca operou em quase 06 (seis) anos de existência e acabou sendo utilizada para emprestar a aparência de legalidade ao esquema de supressão de destruição de serviços de notificações em Curitiba engendrado pelo Titular do 4º Ofício de Rio Branco do Sul, logo após o desmantelamento das operações ilícitas. A referida empresa tinha como sócios IVO SENKO e PAULO HENRIQUE TOSCANI, averiguando-se posteriormente que este ultimo já foi funcionário do 4º Ofício de Títulos de Documentos de Curitiba- consoante o depoimento de seu irmão LUIZ ALBERTO TOSCANI., fiador do contrato de locação da IP COBRANCAS S/C LTDA, perante a Corregedoria- Geral de Justiça/PR. Ademais, durante a fase de sindicância a Corregedoria- Geral de Justiça/PR teve ainda de realizar uma perícia documentoscópica (cópia às fls. 209/233 deste procedimento), levada a efeito pelo perito ARI FERREIRA FONTANA, para se averiguar o surgimento de duas versões do Contrato Social da empresa em questão: (i) uma original encaminhada pelo oficio de Registros de Títulos, documentos e Pessoas Jurídicas de Matinhos; (ii) outra anexada ao Mandado de Segurança n° 112.2 75-0-TJ/PR. O Laudo de Exame Documentoscópico confirmou que não consta do contrato social juntada ao Mandado de Segurança n° 112.275- 0-TJ/PR a assinatura do sócio IVO SENKO, estando documento firmado tão somente por outras três pessoas: (i) PAULO HENRIQUE TOSCANI, cuja assinatura é autêntica; (ii) LUCIANA MARGAS e (iii) ROGÉRIO MARGAS, ambas inautênticas, porém, firmadas pelo mesmo punho. Tudo isso leva a crer que, em verdade, no afã de acobertar o estratagema voltado a burlar a determinação judicial (MS 87.205-7-TJ/PR) que impunha o dever de remeter os serviços de notificação n° ao Ofício-Distribuidor antes de proceder seu cumprimento JOÃO MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO se valeu de uma relação pessoal que mantinha com seu ex-funcionário PAULO HENRIQUE TOSCANI, para criar uma pessoa jurídica fictícia. Assim, de comum acordo e em comunhão de interesses, mais para atender a necessidade do primeiro denunciado, que é o mentor intelectual do esquema, o terceiro denunciado criou esta empresa de fachada, o que resultou, por forca de necessidade momentânea de impetrar um mandamus, inclusive a elaboração de um contrato social falso. I QUANTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO MP. O Representante do Ministério Público pediu a condenação do réu João Manoel de Oliveira Franco, como incurso nas sanções previstas no artigo 312, caput (Peculato) e artigo 299, caput (Falsidade ideológica) combinado com artigo 29, todos do Código Penal em concurso material e a condenação da ré Sonie Maria Buscarons como incursa no artigo 312, § 1° do Código Penal, além da conden ação do réu Paulo Henrique Toscani como incurso nos artigo 299, caput, combinado com artigo 29, ambos do mesmo Codex. I. I - JOÃO MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO. I.I.I Peculato. Por necessário, permito-me fazer uma breve introdução acerca do crime de peculato. O Código Penal ao tratar do crime de peculato, reserva o Capítulo I do Titulo XI, dos Crimes Contra a Administração Pública, para os crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração em geral. Prevê o artigo 312 do Código Penal: Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. José Henrique Pierangeli afirma: "O delito de peculato reveste-se de maior gravidade, de um aspecto peculiar. São atos ilegais que o agente executa sob aparência de poder ou de autoridade no exercício de uma função pública, isto, é em nome do Estado. Se só isso representa um descompasso com suas funções, mais grave ainda se torna a conduta quando busca o enriquecimento ilegal. `O funcionário se vale do poder ou presunção de autoridade como agente oficial do princípio da autoridade e o faz, precisamente, mediante atos que adulterem esse princípio, convertendo em algo bastardo e repugnante, além de que, em vez de prejudicar a um indivíduo determinado ou atingir um interesse particular, prejudica a sociedade como um todo e afeta interesse comum, o que significa que multiplica indefinidamente a gravidade do delito e suas conseqüências' (Sanches Viemonte). Apresenta este delito, talvez mais do que qualquer outro cometido contra a Administração Pública, o descumprimento pelo funcionário que dever de probidade e de fidelidade que deve orientar toda e qualquer conduta funcional. `A justificativa do delito contra a Administração Pública (onde o peculato se apresenta como a mais saliente a particular forma de malversação) está na traição da fidúcia que decorre do ofício ou do serviço'. (Pannain)". PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro V. 2. RT. Pg, 804. No caput do artigo 312 do Código Penal, há a modalidade de desvio quando o funcionário público dá ao objeto, uma aplicação diversa daquela que lhe foi determinada, em benefício próprio ou de terceiro. De acordo com a doutrina, desviar significa alterar o destino ou aplicação, desencaminhar. Nessa linha, o agente dá ao bem público ou particular, destinação distinta da exigida, em proveito próprio ou de outrem. Certo é que para se configurar a figura típica do peculato-desvio, é necessário o funcionário fazer uso do seu cargo para obter a posse de qualquer bem móvel (ou dinheiro ou valor) para poder desviá-lo. Nesse sentido: PENAL. HABEAS CORPUS. PECULATO-DESVIO. QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. 1. Conforme a denúncia, o paciente estaria sujeito às penas do art. 288 e art. 312, caput, segunda parte (peculato-desvio) c/c art. 69, na forma do art. 29, todos do Código Penal Brasileiro e em continuidade delitiva (art. 71 do CP), com aplicação da causa especial de aumento de pena prevista no § 2º do art. 327 do CP; 2. Resta sedimentada a orientação jurisprudencial que, em sede de habeas corpus, somente se impõe o trancamento da ação penal em situações especiais, ou seja, quando a negativa de autoria é evidente ou quando o fato narrado não constituir crime, ao menos em tese, ou mesmo em situações que não é necessária a instrução criminal para que se perceba tais fatos ou já estiver extinta a punibilidade por qualquer causa; 3. No caso trazido à baila nesta impetração, tenho que merece crédito a irresignação da parte impetrante alegando que a conduta praticada pelo Paciente, narrada na exordial acusatória não constitui ilícito penal; 4. É cediço que para se perfectibilizar a figura típica do peculato-desvio, faz-se necessário o funcionário fazer uso do seu cargo para obter a posse de qualquer bem móvel (ou dinheiro ou valor) para poder desviá-lo. No caso dos autos, porém, não há falar em alterar o destino do bem, seja em proveito próprio, seja de terceiros, pela simples razão que o mesmo nunca deteve posse do bem porque não era servidor da Fundação à época dos fatos, o que enseja o entendimento de que inexiste os elementos indispensáveis à configuração do apontado ilícito penal. 5. No que diz respeito ao crime de quadrilha (CP, art. 288), também não deve prosseguir a persecutio criminis in judicio, pela simples razão de que inexiste nos autos qualquer liame subjetivo entre o paciente e os co- denunciados na perpetração dos crimes que lhe são imputados. Isso porque os elementos que emergem do feito não indicam que o acusado, ora paciente, tinha conhecimento ou teria aderido à conduta dos demais denunciados, muito menos demonstrado a estabilidade e permanência da associação para o cometimento de crimes. TRF4 - HABEAS CORPUS: HC 31534 SC 2006.04.00.031534-7. Em relação ao sujeito ativo, trata-se de crime próprio. Trata de crime funcional contra a Administração Pública, de forma que somente pode ser sujeito ativo desse crime, o funcionário público. Na sujeição passiva está o Estado, e, secundariamente, o particular, proprietário do bem desviado, que estava sob a guarda ou responsabilidade do ente público. O crime resta consumado no momento em que o funcionário público dá ao bem, destinação diversa da determinada. Nunca é pouco relembrar o conceito de funcionário público para o direito penal: Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. § 2º A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Acrescentado pela L-006.799-1980). É o entendimento da jurisprudência: O serventuário da justiça é funcionário público para todos os efeitos, inclusive penais, ainda quando não remunerado pelos cofres públicos. Assim, é de se ter por abrangido pelo artigo 327 do Código Penal o escrivão de Cartório de Notas, eis que exerce função pública, regulamentada pelo Poder Judiciário, que lhe entregou a carreira. (Rel. Juiz Cunha Camargo, in JUTACRIM: 43/179 e 47/350). No caso em analise, em que pese a absolvição de João Manoel pela decisão de primeiro grau, a qual entendeu que não ocorreu apropriação de dinheiro público ou particular, verifica-se que o conjunto probatório demonstra a prática do delito de peculato, na modalidade peculato- desvio também prevista no artigo 312 do Código Penal. A materialidade do delito imputado ao denunciado restou devidamente comprovada pelo auto de apreensão de documentos de fls. 149, em que se constatou, que na Rua Desembargador Westphalen, n° 45, funcionava uma extensão informal do 4º Ofício de Registros de Títulos e Documentos da Comarca de Curitiba, utilizada para esquivar o indispensável ato de distribuição dos serviços de notificação, fato este fundamental para desviar os valores referentes a tais notificações. Primeiramente deve-se registrar que a distribuição das notificações era obrigatória, como se vê da decisão do Órgão especial deste Tribunal: "Então, a Lei Federal nº 8.935/94, ao estabelecer que a prática dos atos de Oficiais de Títulos e Documentos independe de prévia distribuição, feriu, induvidosamente data venia, a Constituição Federal, na medida em que esta matéria guarda continência nas disposições de organização judiciária dos Estados membros e cuja lei a estes compete. E segundo o Código Judiciário do Estado do Paraná, em seu art. 166, § 2º e seu inciso I, acima anotados, a distribuição entre os registradores de títulos e documentos é obrigatória. Além de obrigatória deve ser prévia, isto é, antes do registro. E além de obrigatória e prévia, deve ser eqüitativa, para que todos recebam o mesmo número de títulos, tolhendo-se, com isto, a instalação de um regime de concorrência perniciosa e incompatível com a natureza do serviço público prestado, com séria repercussão na administração da Justiça, de que tratou, de plano, a concessão liminar deste writ. É indeclinável, portanto, que o inquinado Provimento nº 26/99, na medida em que buscou regulamentar dispositivo do Código Judiciário, o fez em flagrante violação ao citado art. 166, § 2º e seu inciso I, que, repita-se, prevê a prévia distribuição dos atos da competência de dois ou mais titulares de ofício. Nesta senda, é inarredável que se reconheça nesta oportunidade, ainda que de forma incidental, a evidente inconstitucionalidade do art. 12, da Lei 8.935/94, conquanto se afigura viciado em sua origem". A autoria é certa e recai na pessoa do apelado. Há provas nos autos que João Manoel, contando com o auxílio de Sonie Maria, cumpria às ordens de notificações entregues pelos notificantes diretamente em seu Ofício e em sua extensão ilegal, sem as remetê-las ao Distribuidor, causando prejuízo as demais serventias. A testemunha Fernando Antônio dos Prazeres declarou às fls. 889: "... pode afirmar que o conjunto que havia no edifício Dante Alighieri era uma estrutura mantida pelo 4º Oficio de Curitiba porque o funcionário Jorge precisou retornar ao local e a porta estava fechada quando então o depoente solicitou as chaves do local junto ao 4º Ofício, que prontamente atendeu...". A testemunha Adalberto Jorge Xisto Pereira por sua vez declarou às fls. 888. "... que verificaram que naquele local estavam sendo praticados atos do ofício de Títulos e documentos e se não está enganado havia documentos tanto do 4 ° Ofício de Curitiba co mo do ofício de Rio Branco do Sul...". "... que soube posteriormente pelo Dr. Fernando Antônio dos Prazeres que efetivamente o 4° Ofício de Curiti ba estava utilizando o subterfúgio de deixar de distribuir as notificações e as encaminhava Ofício de Rio Branco do Sul, para desta forma dar aparência de legalidade que constatou pelos documentos e demais objetos apreendidos que existiam indícios de que ali naquele local havia uma simulação; que se recorda que a denunciada disse que recebia dinheiro por mês para prestar serviço para o denunciado João Manoel titular do 4° Ofício...". As declarações acima asseguram que no endereço da Rua Desembargador Westphalen, n° 45, funcionava uma extensão ilegal do 4° Ofício de Curitiba, comandado in loco pela ré Sonie Maria, sendo que esta recebia a quantia de R$ 5.000,00 do réu João Manuel para cumprir as notificações no Cartório de Rio Branco do Sul. No caso dos autos, o apelado desviou, para si, as notificações que deveriam ter sido encaminhadas ao Distribuidor. Deste modo, João Manuel deu destinação diversa às referidas notificações que estavam em seu poder, na extensão ilegal do 4° ofício, rece bendo pelo cumprimento destas, sem o devido encaminhamento. Verifica-se que obteve lucro com o desvio das notificações, em prejuízo às demais serventias, vez que desviou as notificações recebendo indevidamente por isso. Além disso, o tipo penal do peculato não resguarda somente o patrimônio da administração pública e do particular, também protege a probidade administrativa. É o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "A tipificação do delito de peculato não possui cunho exclusivamente patrimonial, objetiva, outrossim, o resguardo da probidade administrativa". (STJ - HC 88959 / RS - Quinta Turma. Rel. Min. LAURITA VAZ - DJU. 16.09.08. DP. 06.10.08. Unânime). Nessa esteira leciona José Henrique Pierangeli: "A doutrina tem mencionado ser o objeto jurídico da incriminação a defesa dos bens patrimoniais da Administração Pública, mas põe em relevo o interesse do Estado quanto à probidade e fidelidade do funcionário público, proferida mediante juramento (hoje, compromisso), razão pela qual Carrara classificava esse delito como uma violação da fé pública. Daí Maggiore, com justeza, salientar que 'no peculato, mais que material, o dano é moral e político, que se concretiza no descumprimento do dever de fidelidade do funcionário em face da Administração Pública'. É esta também a lição de Manzini, ressaltando 'representar a probidade na Administração Pública o índice do progresso moral e da educação política dos povos'. Por conseguinte, o objeto jurídico do delito em exame, é o interesse público relativo ao normal funcionamento da Administração Pública, representado pela segurança patrimonial de coisas móveis pertencentes à Administração Pública e ao dever de fidelidade do funcionário em relação a ditos bens, de que tem o estado propriedade, posse ou simples guarda". Esta Segunda Câmara explanou o mesmo posicionamento: "Assim, entende-se que o bem jurídico penalmente tutelado e, na hipótese, violado, é o dever de lealdade à administração, ou seja, a probidade e fidelidade do funcionário público no desenvolvimento de suas atividades, sendo desnecessária a obtenção de vantagem ou ocorrência de prejuízo aos cofres públicos, mesmo porque, em sendo o peculato um crime contra a Administração Pública, e não contra o patrimônio (ou, melhor dizendo, não sendo o patrimônio o bem jurídico mais importante), o dano necessário e suficiente para a sua configuração é o inerente à violação do dever de fidelidade para com a mesma administração, quer associado, quer não, ao patrimonial". (TJ/PR, 2ª C.Crim., Ap. n° 483.186-9, Rel. José Maurício Pinto de Almei da, DJ 191). Evidente que a probidade administrativa foi abalada pela conduta do apelado, porque além de esquivar-se do indispensável ato de distribuição dos serviços de notificação, gerando dano patrimonial às demais serventias que deveriam legalmente receber por tais atos, praticou a conduta contra a moral administrativa. Nota-se que o apelado burlou o sistema de distribuição, fato este reconhecido na sentença, pois tinha a intenção de desviar as notificações para que pudesse receber ilicitamente pelo serviço, causando efetivo prejuízo aos demais ofícios, além da inerente violação ao dever de fidelidade para com a Administração Pública. O prejuízo causado é evidente, porquanto em detrimento aos demais ofícios que não puderam praticar os atos de notificação, deixando de receber os valores respectivos. O dano a Administração Pública também é cediço, vez que o ato praticado é lesivo a probidade administrativa e a fidelidade do funcionário público no desenvolvimento de suas atividades. Pelo exposto, resta configurado o delito do artigo 312 do Código Penal. I.I.II. Falsidade Ideológica Em relação ao delito de falsidade ideológica imputado ao apelado João Manoel de Oliveira Franco, verifica-se que a conduta praticada restou devidamente comprovada, pelo conjunto probatório colacionado nos autos, visto que para possibilitar a prática do delito de peculato os denunciados João Manoel e Paulo Henrique previamente ajustados praticaram o delito ora analisado. O Laudo de Exame Documentoscópico de fls. 346/370, atesta que as assinaturas de "Luciana Margas" e "Rogério Margas", não procedem dos punhos de quem tinha legitimidade em lançá-las. A autoria do delito praticado pelo réu restou devidamente comprovada. João Manoel com a intenção prévia de encobrir a conduta, de esquivar-se do indispensável ato de distribuição das notificações ao Ofício-Distribuidor, antes de proceder seu cumprimento, valeu-se de uma relação pessoal que mantinha com seu ex-funcionário PAULO HENRIQUE TOSCANI, para criar uma pessoa jurídica fictícia, IP Cobranças. Fizeram inserir em documento, declaração em falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim único de utilizar tal empresa como sucursal ilegal do 4° Oficio, prejudicando o direito dos demais Ofícios em cumprirem as notificações. Há contradição nas alegações do réu João Manoel quando afirmou que nunca contratou a empresa do réu Paulo Henrique para lhe prestar serviços, quando na verdade tinha as chaves da empresa da citada empresa. Além de João Manoel possuir as chaves, foram encontrados em diligencia na referida empresa, dois computadores, envelopes, várias notificações, recibos de pagamento e uma maquina de bobina utilizada para emissão de recibos (auto de apreensão de fls. 149), todos pertencentes ao 4° Ofício de Curitiba. O fato acima está devidamente comprovado pelos depoimentos das testemunhas e da confissão denunciada Sonie Maria Buscarons, bem como pelo auto de apreensão de fls. 149 (documentos e equipamentos apreendidos na empresa IP Cobranças procedentes do 4° ofício de Curitiba) e pelo Laudo de Exame Documentoscópico (fls. 346/370), que conclui que não eram autenticas as assinaturas no contrato social da empresa IP Cobranças S/C LTDA. Conforme se verifica das declarações da testemunha Fernando Antônio dos Prazeres: "que recebeu uma determinação do desembargador corregedor geral da Justiça pra proceder à diligência no edifício localizado na rua Des. Westephalen porque segundo noticias recebidas lá funcionava uma espécie de sucursal do 4 º. Oficio de Títulos e documentos da capital; que foi acompanhado nesta diligencia pelo Dr. Xisto, funcionário da corregedoria de nome Jorge Macedo e também por um policial militar cujo nome não se recorda; que lá chegando constatou-se existência de diversos documentos e computadores indicativos de que pertenciam ao 4º. Ofício; (...), que pode afirmar de que o conjunto que havia no edifício Dante Alighieri era uma estrutura mantida pelo 4º . Oficio de Curitiba, porque o funcionário Jorge precisou retornar ao local e a porta estava fechada quando o depoente solicitou as chaves do local junto ao 4º. Oficio, que prontamente o atendeu...". (Depoimento de fls. 889/verso). Ademais, é de se ponderar que equipamentos do 4° ofício de Títulos e Documentos foram apreendidos na empresa IP Cobranças e duas funcionárias do referido Cartório foram surpreendidas trabalhando na empresa. Transcrevo trecho da decisão administrativa do Conselho da Magistratura (fl. 700). "Há que se consignar que foram apreendidos também documentos de serventia cuja delegação é do acusado, dois computadores com registros de dados relativos ao 4º Ofício e uma máquina de recibos com identificação equivalente; havia a presença, no dia da apreensão, 01/08/2001, f. 10, de duas funcionárias do imputado, uma estava licenciada do trabalho na serventia, f. 354 (licença concedida em 21/05/2001, fotocópia autenticada em 13/07/2001), a outra estava com o vinculo de emprego em pleno vigor." Da análise das provas dos autos verifica-se que a conduta do denunciado amolda-se ao disposto no artigo 299 caput do Código Penal. Colaciona-se parte do parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça: "Portanto, conclui-se que o elemento subjetivo do delito é evidente, posto que Paulo Henrique e João Manoel agiram da maneira dolosa, conscientes em fazer conter em documento público declarações falsas, opondo assinatura em Contrato Social de empresa, tentando elidir sua responsabilidade pelo desvio das notificações apreendidas na Rua desembargador Westphalen, n° 45, 10° andar, onde fu ncionava uma extensão informal do 4° Ofício de Registro de Títulos e Docu mentos da Comarca de Curitiba." Resta demonstrado que João Manoel em comum acordo com Paulo Henrique praticou a conduta tipificada no artigo 299, caput do Código Penal, visto que fez inserir em documento declarações falsas ou diversas da que deveria constar, com o de fim de elidir sua responsabilidade pelos desvios das notificações apreendidas no local onde funcionava uma extensão do 4º Ofício de Registro de Títulos e Documentos de Curitiba. Em conclusão, a prática dos delitos de peculato e falsidade ideológica restam comprovados e são imputados ao apelado João Manoel. Porém, a falsidade ideológica foi praticada única e exclusivamente como meio de execução do crime de peculato. Desta forma, fica absorvida pelo delito de peculato, com a aplicação do princípio da consunção. I.II SONIE MARIA BUSCARONS. Peculato A autoria da ré Sonie Maria Buscarons também restou devidamente comprovada, tendo inclusive confessado a prática do delito a ela imputado, senão vejamos: "...faz um mês aproximadamente que trabalha no endereço constante no cabeçalho, afirmando que recebeu proposta do Sr. João Manoel de Oliveira Franco para prestar serviços ao 4º Ofício de Títulos e Documentos da Capital;que todos os documentos encontrados hoje e relacionados no auto de apreensão foram entregues no Cartório do 4º Oficio e, posteriormente, cumpridos pelos funcionários daquele Ofício, sendo que a declarante apenas subscreve os atos; que todos os documentos são notificações, não havendo, entre eles, nenhum contrato ou declaração; que recebe por mês, R$ 5.000,00 pela prestação do serviço, muito embora recolha corretamente as taxas devidas ao Funrejus e ao distribuidor, que as notificações, após cumpridas, são levadas para Rio Branco, onde são encadernadas, formando-se os livros próprios...". (Depoimento de fls. 151). Embora na fase judicial tenha afirmado não se recordar da confissão, esta se amolda perfeitamente ao conjunto probatório. Além disso, as declarações prestadas em juízos são desconectadas dos fatos ocorridos não apresentando ligação concreta com as demais provas dos autos. No que concerne à materialidade delitiva, fica evidenciado que a apelada concorreu ativamente para a consumação do delito de peculato ao trabalhar na extensão informal do 4º Ofício subscrevendo tais atos a mando do réu João Manoel de Oliveira Franco. Neste sentido é o entendimento da nossa doutrina, vejamos: "Nota-se ainda, que o tipo penal prevê outra hipótese, que é concorrer para que seja subtraído, dando mostra que considera conduta principal o fato de o funcionário colaborar para que outrem subtraia bem da Administração Pública". (Código Penal Comentado, 8ª Edição Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2008, p.1044). Sua participação está devidamente comprovada, porquanto concorreu de maneira essencial à prática do delito, executando o acordo entabulado com João Manuel a fim de esquivarem-se do indispensável ato de distribuição dos serviços de notificação, conforme aponta a prova testemunhal e a confissão da acusada. É o que afirma a testemunha Adalberto Jorge Xisto Pereira às fls. 888. "(...) se recorda que a denunciada disse que recebia dinheiro por mês para prestar serviço para o denunciado João Manoel titular do 4° Ofício (...)". Desta forma, nota-se que a apelada Sonie Maria efetivamente praticou atos com o fim de burlar o sistema de distribuição de notificações em conluio com João Manuel, sendo procedente o recurso ministerial, neste ponto. I.III PAULO HENRIQUE TOSCANI. Falsidade ideológica. Como exposto acima, João Manoel e Paulo Henrique Toscani agiram de forma consciente e em unidade de vontades, em fazer inserir no contrato social da empresa IP Cobranças, declarações falsas, tentando elidir suas responsabilidades pelo desvio das notificações apreendidas na Rua desembargador Westphalen, n° 45, 10° andar, onde funcionava uma extensão informal do 4° Ofício de Re gistro de Títulos e Documentos da Comarca de Curitiba. O Laudo de Exame Documentoscópico de fls. 346/370, atesta que as assinaturas de "Luciana Margas" e "Rogério Margas", não procedem dos punhos de quem tinha legitimidade em lançá-las. A prova documental (apreensão de equipamentos e documentos e o laudo de exame documental de fls. 346/370) e testemunhal demonstram que João Manoel com a intenção de encobrir a conduta, de esquivar-se do indispensável ato de distribuição das notificações ao Ofício- Distribuidor antes de proceder seu cumprimento, valeu-se de uma relação pessoal que mantinha com Paulo Henrique, ex-funcionário do 4° Oficio, para em conjunto criarem uma pessoa jurídica fictícia, IP Cobranças. Assim, fizeram inserir em documento, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de utilizar tal empresa como sucursal ilegal do 4° Oficio, prejudicando o direit o dos demais Ofícios em cumprirem as notificações não distribuídas. Assim, nota-se que a autoria do delito de falsidade ideológica, recai na pessoa de Paulo Henrique e João Manoel. II DO RECURSO INTERPOSTO PELO RÉU JOÃO MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO. Corrupção ativa. O réu João Manoel de Oliveira Franco em suas razões de recurso pugnou pelo reconhecimento da improcedência da acusação pela falta de tipicidade na conduta narrada na denúncia, afirmando a inexistência do fato e carência de comprovação das imputações, e alternativamente, requereu que fosse reconhecida a prescrição da pretensão punitiva estatal. II. I. DA AUSÊNCIA DE PROVAS Não merecem guarida os argumentos da Defesa quando pugna pela absolvição do réu alegando ausência de provas, isto porque o lastro probatório produzido nos autos é suficiente para confirmar a prática do delito de corrupção ativa tipificado no artigo 333 caput do Código Penal, conforme se verifica pelos seguintes depoimentos: "...Recebeu a proposta do Sr. João Manoel de Oliveira Franco para prestar serviço ao 4º Oficio de Títulos e Documentos da Capital (...), que somente aceitou prestar serviço ao Sr. João Manoel porque o cartório do qual é titular não rende quase nada...". (Sonie Maria, fls. 151). "...que se recorda que a denunciada disse que recebia uma quantia em dinheiro por mês para prestar tal serviço para o denunciado João Manoel titular do 4º Ofício; que se recorda que a denunciada disse que recebia dinheiro do denunciado João Manoel para praticar atos da serventia em que era responsável...". (Adalberto Jorge Xisto Pereira, fls. 888). As declarações prestadas pela ré Sonie demonstram que efetivamente o réu João Manoel lhe ofereceu R$ 5.000,00 (cinco mil) reais, com o fim exclusivo de prestar serviços na extensão do 4º. Ofício, para subscrever os atos realizados, fatos confirmados pelas declarações da testemunha Adalberto Jorge Xisto Pereira. Portanto, a conduta imputada ao apelante se subsume ao delito previsto no art. 333 do Código Penal. II. II. Diminuição da pena e conseqüente prescrição da pretensão punitiva estatal. No que concerne à aplicação da pena do crime de corrupção ativa, pondere-se que na decisão recorrida aumentou a pena base em um ano, perfazendo o total de três (03) anos de reclusão, fundamentada "no intenso grau de reprovabilidade da conduta, porque teria sido mentor e gerente do mecanismo que arregimentou pessoas para de forma irregular auferir vantagem pessoal" e no "motivo é a obtenção do lucro fácil em detrimento da administração pública". Não há qualquer equivoco na aplicação da pena, pois o magistrado a quo entendeu que a culpabilidade e os motivos são desfavoráveis ao apelante, e deste forma, majorou a pena em 1 ( um) ano. Assim, não se operou a prescrição da pretensão punitiva como afirmou o apelante. Deste modo, deve ser negado provimento ao recurso do apelante. III DO RECURSO INTERPOSTO PELA RÉ SONIE MARIA BUSCARONS. A apelante Sonie Maria Buscarons em suas razões de recuso em sede de preliminar pugnou que seja reconhecida a nulidade processual em razão da ausência de intimação para o interrogatório do correu Paulo Henrique Toscani. Requereu que seja reconhecida a inépcia da inicial, no mérito pleiteou pela absolvição em razão da falta de provas. III. I Do requerimento de nulidade pela não intimação da denunciada Sonie Maria Buscarons para o interrogatório do correu Paulo Henrique Toscani. Em que pese os argumentos apresentados pela Defesa de Sonie Maria Buscarons no sentido de que seja reconhecida nulidade processual, em decorrência de sua não intimação para o interrogatório do corréu Paulo Henrique Toscani, não restou comprovado prejuízo, mormente pelo fato de que no referido interrogatório não foram produzidas quaisquer provas contra a referida ré. Desta forma inviável o reconhecimento da nulidade pleiteada. É o que prevê o art. 563, do Código de Processo Penal: "Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". No sistema processual penal brasileiro, vigora o princípio de que a ausência de prejuízo impede o reconhecimento de eventual nulidade. Neste sentido é o teor da súmula n° 523 d o Supremo Tribunal Federal que enuncia: "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu". Desta forma, não existindo qualquer prejuízo a apelante Sonie Maria Buscarons, não há qualquer nulidade a ser declarada. III. II Da inépcia da inicial Os argumentos apresentados pela ré no sentido de que fosse reconhecida a inépcia da inicial não merecerem acolhimento uma vez que a denúncia está de acordo com o disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal. Subsume-se da denúncia todos os elementos constantes no referido dispositivo legal de forma que tal preliminar deve ser rejeitada. "Não é inepta a denúncia que descreve fato penalmente relevante, observando os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, assegurando todas as condições para a ampla defesa e o contraditório. (TJPR, 2ª C.Crim. AP. Criminal n° 559501-3. Des. Relator J oão Kopytowski; DJ 268; 29/10/2009)." A exordial acusatória apresentada pelo Representante do Ministério Público Singular está revestida de todas as formalidades legais descritas no artigo 41 do Código de Processo Penal, quais sejam, a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime e apresentação de rol de testemunhas. III. III Do Mérito. Depreende-se dos autos que as provas produzidas são exaustivas e suficientes para comprovar a prática da conduta delituosa da apelante, que confessou a prática delituosa sendo que tal confissão foi corroborada pelas provas produzidas na fase policial quanto na fase judicial, que demonstram que a ré estava ciente da ilicitude de sua conduta, consistente em corrupção passiva uma vez que recebida do corréu João Manoel a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil) reais, para fraudar a distribuição de notificações. O próprio tipo penal dispõe que o crime consiste em "solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem". A ré Sonie afirmou em suas declarações que efetivamente recebeu, para si, em razão de sua função (oficiala de cartório de Rio Branco do sul), vantagem indevida (R$ 5.000,00 para fraudar a distribuição de notificações). Neste sentido é o entendimento jurisprudencial: APELAÇÃO CRIMINAL CORRUPÇÃO PASSIVA ART. 317, § 1º DO CÓDIGO PENAL AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS PROVAS SUFICIENTES CRIME DE MERA CONDUTA IRRELEVANTE O RECEBIMENTO DE QUALQUER PAGAMENTO ABSOLVIÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA QUE NÃO INTERFERE NA ESFERA PENAL SENTENÇA MANTIDA RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Toda a prova testemunhal produzida nos autos aponta no sentido de que o apelante Alairton José Ulanoski aceitou vantagem indevida, ou a sua promessa, colaborando com a fuga dos presos da delegacia de polícia de Palotina. Ainda que o réu não tenha efetivamente recebido qualquer pagamento, o fato de ele ter introduzido os materiais na cadeia pública, mediante promessa de pagamento, é suficiente para configurar o crime de corrupção passiva. "A punição disciplinar não impede a verificação de possível ilícito na esfera criminal, tendo em vista o princípio da independência entre as instâncias administrativa e penal". (TJPR, 2ª C.Crim, AP Criminal 581786-3, Rel. Carlos Augusto A. de Mello, DJ 302 de 08/01/2010). Deste modo, deve ser negado provimento ao recurso da apelante. IV. Da incidência do princípio da consunção. O princípio da consunção, conforme ensina Cesar Roberto Bitencourt, a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou de execução de outro crime. Na relação consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie, mas de continente e conteúdo. A consunção é utilizada quando a intenção criminosa é alcançada pelo cometimento de mais de um tipo penal, devendo o agente, no entanto, por questões de justiça e proporcionalidade de pena (política criminal), ser punido por apenas um delito. Duas são as regras que podemos extrair, quais sejam: - o fato de maior entidade consome ou absorve o de menor graduação (lex consumens derogat lex consumptae); - o crime-fim absorve o crime-meio. É a lição de Damásio de Jesus: "Ocorre a relação consuntiva, ou de absorção, quando um fato definido por uma norma incriminadora é meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finalidade prática atinente àquele crime. Nestes casos, a norma incriminadora que descreve o meio necessário, a normal fase de preparação ou execução de outro crime, ou a conduta anterior ou posterior, é excluída pela norma a este relativa. Lex consumens derogat legi consumptae. O comportamento descrito pela norma consuntiva constitui a fase mais avançada na concretização da lesão ao bem jurídico, aplicando-se, então o princípio de que major absorbet minorem. Os fatos não se apresentam em relação de espécie e gênero, mas de minus a plus, de conteúdo a continente, de parte a todo, de meio a fim, de fração a inteiro" (Comentário ao Código Penal, v. I). Há ocorrência do denominado "princípio da consunção", conhecido também como princípio da absorção, quando nos casos em que há uma sucessão de condutas com existência de um nexo de dependência, de acordo com tal princípio o crime mais grave absorve o crime menos grave. No presente caso, João Manoel e Sonie Maria tinham como objetivo único, burlar o sistema de distribuição para desviar as notificações e receberem ilicitamente pelo serviço, causando efetivo prejuízo aos demais cartórios. Porém, para tanto foi imprescindível, como meio necessário da execução do crime de peculato, a prática dos crimes de corrupção ativa e passiva e falsidade ideológica. Os crimes acima citados foram dolosos, contudo somente foram praticados como meio de alcançar o único objetivo, qual seja, o desvio das notificações, fato este que caracterizou o delito de peculato. Nota-se que os delitos corrupção e falsidade ideológica não se justificam como crimes autônomos, vez que somente foram praticados como crimes meio, para o fim pretendido, o desvio das notificações. Desta forma, é cabível a aplicação do princípio da consunção, porque os delitos de corrupção ativa e passiva e falsidade ideológica são anteriores e cometidos com a mesma finalidade. Portanto, somente restará a condenação pelo delito de peculato. É o entendimento da doutrina. "somente se pune o agente pela concretização do tipo penal da falsa identidade se outro crime mais grave, que o contenha, não seja praticado. Pode o sujeito atribuir-se falsa identidade para praticar um estelionato, fazendo com que responda somente por este último crime, que é o principal" (Guilherme de Souza Nucci, código penal comentado, 2007, p. 987). O Superior Tribunal de Justiça possui Súmula sobre a consunção: Estelionato - Potencialidade Lesiva Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.(STJ Súmula nº 17 - 20/11/1990 - DJ 28.11.1990). De acordo com o princípio da consunção, existindo mais de um ilícito penal, em que um deles represente conduta anterior, contendo a mesma finalidade do delito mais nocivo, o agente será responsabilizado apenas por esse último. É o entendimento desta Corte: "Para além do clássico entendimento de crime-meio e crime-fim, trata-se igualmente de consunção quando levam em conta, na consideração de crime único, condutas anteriores e/ou posteriores do agente, cometidas com a mesma finalidade prática atinente a um delito que compõe a cadeia dessas ações, o de maior pena. Nesse pensar, a conduta continua sendo única e a vítima é atingida uma vez somente (...)" (TJPR, Apel. Criminal nº 559971-5, Rel. Des. José Maurício Pinto de Almeida, j. 16/7/2009). "Assim, para a aplicação do princípio da consunção, deve ser analisado cada caso concreto, de forma que, tudo dependerá do seguinte: saber se as condutas realizadas fazem parte de um mesmo contexto fático ou, ao contrário, se integram contextos fáticos distintos. E, no presente caso, prevalece o primeiro, razão pela qual faço incidir o princípio da consunção, de forma que o crime mais leve restará absorvido pelo crime mais grave,(...)". (TJPR, apel. criminal nº 533417-6, Rel. Des.ª Sônia Regina de Castro, j. 5/11/2009). "(...) PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO - APLICABILIDADE AO CASO - CRIME DE LICITAÇÃO QUE CONSTITUÍA APENAS MEIO PARA SE CHEGAR AO FIM VISADO, CONFIGURADOR DO DELITO DE RESPONSABILIDADE PREVISTO NO ARTIGO 1.º, INCISO I, DO DECRETO-LEI N.º 201/1967 - PRECEDENTES - REDUÇÃO DA PENA-BASE - MEDIDA QUE SE IMPÕE - CONSEQUÊNCIAS DO CRIME - AUMENTO EXACERBADO - RECURSO DOS RÉUS VALDECIR CÂNDIDO DA SILVA E LUIZ STEL PARCIALMENTE PROVIDOS, A FIM DE EXCLUIR A PENA REFERENTE AO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI N.º 8.666/1993, REMANESCENDO APENAS A RELATIVA AO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 1.º, I, DO DECRETO-LEI N.º 201/1967, COM EXTENSÃO DO BENEFÍCIO AOS DEMAIS RECORRENTES E A REDUÇÃO E CONSEQUENTE SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA ORIGINARIAMENTE APLICADA - APELOS INTERPOSTOS POR CARLOS ROBERTO STEL E ALCIDES GONÇALVES DA SILVA NÃO PROVIDOS. (TJPR. Apelação Crime N.º 554804-9, Juiz Carlos Augusto Altheia de Mello. 2ª. Câmara Criminal). Da mesma forma decidiu Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: , "APELAÇÃO-CRIME. EX-PREFEITO. ART. 1° INCISO II, DO DEC-LEI N° 201/67 E ART. 90, DA LEI N° 8.666/93. Utilização indevida de verba pública e fraude à licitação. Princípio da Consunção. Delito de fraude à licitação absorvido. O delito de fraude à licitação (crime- meio) integrou o 'iter criminis' desenvolvido pelos agentes, constituindo assim meio necessário para a realização do delito de utilização indevida de verba pública (crime-fim). Apelo ministerial improvido e apelo da defesa parcialmente provido para reduzir as penas. Unânime." (TJRS. Ap. Crim. n.º 70018185223. 4.ª Câmara Criminal. Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto. Julgamento: 22.03.2007). Em casos assemelhados de sonegação fiscal o princípio da consunção é amplamente utilizado, quando com o fim específico e único de sonegar tributos, o agente comete outros delitos como meio para alcançar seu intento. É o posicionamento deste Tribunal: HABEAS CORPUS CRIME - FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299 DO CÓDIGO PENAL) - PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL DIANTE DA OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA CONSUNÇÃO E DA ESPECIALIDADE - FALSIDADE IDEOLÓGICA CARACTERIZADA COMO CRIME MEIO PARA PRÁTICA DE SONEGAÇÃO FISCAL (CRIME FIM) - OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NÃO CUMPRIDA EM OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO - INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE PARA APURAÇÃO DOS CRIMES PRATICADOS EM SÃO PAULO - PRECEDENTE DESTA COLENDA CÂMARA - VIA ADMINISTRATIVA QUE AINDA NÃO FOI ESGOTADA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO - ORDEM CONCEDIDA, DETERMINANDO-SE O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA, INCLUSIVE EM RELAÇÃO AO CORRÉU (TJPR. Habeas Corpus N.º614686-1, Juiz Carlos Augusto Altheia de Mello. 2ª. Câmara Criminal. 01.10.209). "HABEAS CORPUS - FALSIDADE IDEOLÓGICA - CRIME MEIO, ARTIGO 299 DO CÓDIGO PENAL - CRIME-FIM, SONEGAÇÃO FISCAL - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA CONSUNÇÃO E DA ESPECIALIDADE - ORDEM CONCEDIDA. (1)O crime de falsidade ideológica, praticado com o intuito de levar vantagem em questões tributárias, torna-se crime meio, pois o objetivo final da conduta é reduzir o pagamento do tributo incidente, configurando como crime fim, a sonegação fiscal. Nesta hipótese, aplicam-se os princípios da consunção e especialidade, onde, o crime meio é consumido pelo crime fim. A lei tributária, por sua natureza especial, se sobressai ante a lei penal genérica. (2) Assim, carente de justa causa, deve ser concedida a liminar definitivamente, trancamento a Ação Penal instaurada para apuração do crime meio, de falsidade ideológica." (TJPR - 2ª C.Criminal - HCC 0582599-4 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Juíza Subst. 2º G. Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes - Unânime - J. 02.07.2009). Dessa forma, os delitos subsidiários devem ser excluídos da dosimetria penal dos ora apelantes, assim como a figura do concurso material de crimes. De ofício, deve ser aplicado o princípio da consunção ou absorção, condenando João Manoel e Sonie Maria apenas pelo delito fim, ou seja pelo crime de peculato. V. CONCLUSÃO. Pelo exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso do Ministério Público, condenando os apelados João Manoel de Oliveira Franco e Sonie Maria Buscarons pela prática do delito de Peculato; o apelado Paulo Henrique Toscani pela prática do delito de falsidade ideológica. E de ofício, voto pela aplicação do princípio da consunção, restando absorvidos os delitos de corrupção e falsidade ideológica. Também voto pelo não provimento do recurso de João Manoel e de Sonie Maria, porém sendo os crimes absorvidos pelo peculato. VI INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA: Atendendo às circunstâncias judiciais elencadas no art. 59 do Código Penal, a seguir, passo à fixação da pena-base, partindo da pena mínima: VI. I Réu João Manoel de Oliveira Franco. VI.I.I Artigo 312 do Código Penal (Peculato). Quanto a culpabilidade, agiu o réu com plena consciência em busca do resultado, pois enquanto imputável, tinha na ocasião dos fatos, pleno conhecimento da ilicitude de seu proceder, seu grau de reprovação é majorado, pois para a prática do delito de peculato, praticou os crimes de falsidade ideológica e corrupção ativa absorvidos por aquele. Ademais, engendrou todo um plano prévio, sendo gerente e mentor de mecanismo que arregimentou várias pessoas de forma irregular par auferir vantagem. Não apresenta antecedentes criminais a considerar. Conduta e personalidade normais. Os motivos são os inerentes ao próprio tipo penal. Nenhuma consequência além da inerente ao tipo. Por fim, quanto ao comportamento das vítimas, em nada contribuíram para a conduta do réu. Pena-base Analisadas as circunstancias judiciais elencadas no art. 59 do CP, fixa-se a pena base em 03 (três) anos de reclusão e ao pagamento de 30 dias multa no valor de 1/30 do salário mínimo cada dia-multa. Não há circunstancias legais ou causas de aumento ou diminuição de pena. Pena definitiva Resta como pena definitiva 03 (três) anos de reclusão e 30 dias multa no valor de 1/30 do salário mínimo. Regime inicial de cumprimento de pena , Conforme o art. 33, parágrafo 1° Alínea "c" do CP, estabelece o regime inicial ABERTO para o cumprimento de pena. Substituição da pena. Preenche o réu os requisitos do artigo 44 do Código Penal, quais sejam, pena inferior a 04 (quatro) anos, circunstâncias judiciais que indicam ser suficiente a substituição e a inocorrência de reincidência, razão pela qual voto pela substituição a pena corporal por uma restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade à razão de uma hora por dia de condenação. Dispõe o art. 55 do CP que as penas restritivas de direitos terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, salvo se o condenado quiser cumpri-la em menor tempo (art. 46, §4º do CP). Evidentemente, a fixação de dia e horário e tarefas deverá ser feita de modo a não prejudicar a sua normal jornada de trabalho pelo Juízo da execução. Levando-se em consideração a situação econômica do réu voto pela prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos à entidade com destinação social (artigo 45, § 1º, do Código Penal), a critério do Juízo da execução. VI. II Sonie Maria Buscarons VI.II.II Artigo 312 do Código Penal (Peculato). Quanto a culpabilidade, agiu a ré com plena consciência em busca do resultado, pois enquanto imputável, tinha na ocasião dos fatos, pleno conhecimento da ilicitude de seu proceder, no entanto, o grau de reprovação foi normal para a espécie do crime praticado, qual seja, a obtenção de vantagem. Não apresenta antecedentes criminais a considerar. Conduta e personalidade normais. Os motivos são os inerentes ao próprio tipo penal. Nenhuma consequência além da inerente ao tipo. Por fim, quanto ao comportamento das vítimas, em nada contribuíram para a conduta do réu. A pena-base, por isso, deve ser fixada no mínimo legal, ou seja, em 02 (dois) anos de reclusão. Não há circunstancias legais ou causas de aumento ou diminuição de pena. Resta definitiva à pena de 02 (dois) anos de reclusão. Considerando a pena aplicada a ré, dois (02) anos de reclusão, para o crime de peculato, aplica-se o disposto no artigo 107, inciso IV do Código Penal. Entre a data dos fatos julho de 2001 e o recebimento da denúncia em 21/08/2006, transcorreram mais de cinco anos. Não existiram causas interruptivas para a contagem do lapso prescricional. Portando, com fundamento nos art. 107, inc. IV, art. 109, V, c.c art. 110 §1º e 119, todos do Código Penal, é de se declarar, a prescrição da pretensão punitiva do Estado relativamente ao delito de peculato. VI.III Paulo Henrique Toscani. Art. 299 do Código Penal. Quanto a culpabilidade, agiu o réu com plena consciência em busca do resultado, pois enquanto imputável, tinha na ocasião dos fatos, pleno conhecimento da ilicitude de seu proceder, no entanto, o grau de reprovação foi normal para a espécie do crime praticado. Não apresenta antecedentes criminais a considerar. Conduta e personalidade normais. Os motivos são os inerentes ao próprio tipo penal. Nenhuma consequência digna de nota. Por fim, quanto ao comportamento das vítimas, em nada contribuíram para a conduta do réu. A pena-base, por isso, deve ser fixada no mínimo legal, ou seja, em 01 (um) ano de reclusão. Não há circunstancias legais ou causas de aumento ou diminuição de pena. Resta definitiva à pena de 01 (um) anos de reclusão Considerando a pena aplicada ao réu, aplica-se o disposto no artigo 107, inciso IV do Código Penal. Entre a data dos fatos julho de 2001 e o recebimento da denúncia em 21/08/2006, transcorreram mais de cinco anos. Não existiram causas interruptivas para a contagem do lapso prescricional. Portando, com fundamento nos art. 107, inc. IV, art. 109, V, c.c art. 110 §1º e 119, todos do Código Penal, é de se declarar, a prescrição da pretensão punitiva do Estado relativamente ao delito de falsidade ideológica. Desta forma, voto pelo provimento do recurso interposto pelo Representante do Ministério Público e pelo desprovimento dos recursos de João Manoel de Oliveira Franco e Sonie Maria Buscarons. Reconhecendo, de ofício, a absorção dos delitos de falsidade ideológica e corrupção ativa/passiva pelo crime de peculato e também de ofício, reconhecendo a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva de Sonie Maria e Paulo Henrique, na modalidade retroativa. Ante ao exposto, ACORDAM os Senhores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em dar provimento ao recurso do Ministério Público, negar provimento aos recursos de João Manoel de Oliveira Franco e Sonie Maria Buscarons, e de ofício minorar a pena, com a consequente prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do voto. Acompanhou o voto do eminente Juiz Relator Convocado, o Exmo Des. Noeval de Quadros. O Exmo Desembargador João Kopytowski, divergiu dando provimento aos recursos dos acusados, e dando parcial provimento ao recurso do Ministério Público, declarando voto vencido. Curitiba, 29 de abril de 2010. José Laurindo de Souza Netto Relator Convocado Des. João Kopytowski Voto vencido
|
Isto parece piada ? Cadê a Justiça
ResponderExcluir