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A síndrome da censura

PS: Vovó pergunta, de novo (lá do Céu): E a Lei Maria da Penha só funciona prá pobre que desce o braço na esposa ou vale também em outros casos?

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-sindrome--da-censura-,1070352,0.htm

É importante que a sociedade reaja. Caso contrário, a violência judicial pode se transformar em rotina

Carlos Alberto Di Franco

O mais recente caso de proibição judicial ao trabalho jornalístico - a proibição de que o jornal Gazeta do Povo, do Paraná, publique informações sobre investigações abertas contra o presidente do Tribunal de Justiça do estado, Cleyton Camargo - reacende a síndrome da censura prévia no Brasil.
Vamos aos fatos que serviram de gancho para o rebrotar da censura. Em abril, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu investigação para apurar a suspeita de venda de sentença pelo desembargador Cleyton Camargo. A advogada de uma das partes de uma ação que ele julgou, quando atuava como magistrado da área de Família, o acusou de ter recebido dinheiro para decidir em favor da outra parte, em uma ação que envolvia disputa da guarda de filhos, em 2011. No mês passado, a corregedoria do CNJ abriu outro procedimento, desta vez para investigar suspeita de que Cleyton Camargo teria usado sua influência para favorecer a candidatura do filho, o deputado estadual Fábio Camargo (PTB), à vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Fábio tomou posse no final de julho.
A liminar garantindo que as notícias sobre as denúncias não fossem publicadas no jornal foi concedida há um mês. O desembargador, no pedido, sustenta que "os fatos em notícia (...)vieram impregnados pelo ranço odioso da mais torpe mentira". Pediu, ainda, que as reportagens sejam banidas do portal do jornal na internet. Quer dizer: censura prévia multiplataforma. Proíbe-se a sociedade de ter acesso a informação de indiscutível interesse público.
Sem prejuízo do meu sincero respeito pelas decisões do Judiciário, a censura prévia é uma bofetada na democracia. O controle ao jornal é mais um precedente gravíssimo. É importante que a sociedade reaja. Caso contrário, a violência judicial pode se transformar em rotina.
"Nada mais nocivo que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão, pois o pensamento há de ser livre, essencialmente livre. Liberdade de imprensa concerne a todos e a cada cidadão. Esta garantia básica, que resulta da liberdade de expressão do pensamento, representa um dos pilares em que repousa a ordem democrática". São palavras do decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, um sensível defensor dos valores democráticos
O que está em jogo, para além da garantia constitucional da liberdade de imprensa, é o direito que tem a sociedade de ser informada. É difícil imaginar que o Brasil possa superar a gravíssima crise ética que transformou amplos setores do serviço público num exercício de cinismo e arrogância, sem ampla liberdade de imprensa e de expressão.
Além de inconstitucional, a liminar que censura o trabalho da Gazeta do Povo caminha na contramão do anseio de transparência no comportamento dos homens públicos que domina a sociedade brasileira. A experiência demonstra que a escassez de informação tem sido uma aliada da perpetuação da impunidade. É claro que os veículos podem e devem ser responsabilizados judicialmente por eventuais abusos cometidos na sua atividade noticiosa. Mas isso nada tem a ver com a permissão para a prática da censura prévia.
Mas não são apenas decisões judiciais equivocadas, mesmo por pouco tempo, que ameaçam a liberdade de expressão e de imprensa. Preocupa também, e muito, o controle da mídia por grupos com projetos de poder e perfil marcadamente radical e antidemocrático. A democracia cresce quando os meios de comunicação têm trajetórias transparentes. A defesa do Estado de Direito passa, necessariamente, por um compromisso claro e histórico com plataformas de informação. Pode-se concordar ou discordar com a linha editorial das empresas de comunicação, mas há um valor inegociável: a transparência do negócio e o compromisso com valores éticos básicos. Jornalismo não é, e não deve ser, propaganda ideológica ou passaporte para ações pouco claras.
O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da vida pública só tem sido possível graças à força do binômio da democracia: jornalismo livre e opinião pública informada.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais IICS (www.iics.edu.br) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail: difranco@iics.org.br

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